quinta-feira, 30 de junho de 2011

Uma Aventura a Maias

Em uma escola da qual não me agrada recordar o nome, por muitos anos, as festas reinavam em pleno verão de dezembro. Era Natal, então, as várias histórias fantásticas surgiam às cabeças das crianças. Mas, a festa sempre tinha de acabar à meia-noite. O espírito de um garoto surgia àquela hora. Assim dizia uma lenda Maia.
...
Há poucos lustros desse ano, 1743, meu avô foi a Iucatã, o lendário Império Maia de 1520. Era um amador em história clássica. Porém, seu desejo real era fazer fortuna com algum tesouro histórico que encontrasse. Então, com o pouco dinheiro que ainda lhe restava das economias, conseguiu ir daqui do Brasil para seu promissor futuro sonhado.
Já na cidade mexicana, hospedou-se em um precário hotel, onde guardou suas relíquias, ou seja, um binóculo e uma velha espada do império persa. Lá pernoitou por uma noite apenas, animado com a oportunidade que lhe parecia sorrir. Nessa manhã, ao raiar das seis, pegou seus apetrechos e rumou direto para as montanhas mais elevadas, conforme suas pesquisas anteriores.
Escalou a montanha com enorme dificuldade, sempre checando se havia sinais da época, como os famosos hieróglifos Maias ou desenhos significativos da cultura perdida daquele povo. Já chegando ao cume, segurou em uma pedra para se apoiar como fizera com as outras que encontrara por todo o percurso daquela árdua escalada. Não notou, entretanto, uma pequena lança incrustada em uma elevação que lhe parecia casa de cupins; furou sua mão instantaneamente. Estranhou a princípio: “Como que aquela lança teria ido parar naquele monte tão sólido de terra?” Mesmo sem entender e alentado pelo desejo de alcançar seu objetivo deveria estar tão próximo, renovou suas energias e continuou sem mais demora.
No cume, uma neblina intensa e muito densa tomava conta de todo aquele espaço lá de cima, e no chão, logo em frente de onde ele se achava, curiosamente viu um escudo. O artefato encontrado era de cobre, havia esculpida nele a face de um homem desconhecido, aparentemente era  uma peça forjada pelo antigo povo que habitou aquelas terras há mais de duzentos anos. No verso do escudo, foi encontrado um revestimento que parecia uma argila muito especial nas cores dourado e o azul ultramarino. Ele só não sabia como eles conseguiram o azul, pois a única forma de obter essa cor seria através da pedra “lápis lazúli”, que pesava em torno de uma tonelada e somente seriam encontradas a milhares de quilômetros dali.
Com orgulho e surpresa, abaixou-se para tentar levantar o escudo. Mas, o sangue que lhe escorria da mão cortada fez com que ele retornasse ao mundo real. Ainda sentindo muita dor, arrancou do bolso da calça um lenço que sempre levava e amarrou-o na mão ferida para estancar o fluxo. Elevou o escudo para cima da cabeça e o contemplou contra a luz do Sol. Era magnífico, pensou. De posse dessa relíquia e não vendo motivo para continuar naquele deserto inóspito, retornou ao hotel e preparou seu regresso. Alguns dias depois, estava de volta a São Paulo. Trazia o corpo cansado, mas, no rosto, o sabor da vitória dava-lhe uma cor especial por aquele tesouro arqueológico encontrado; guardou-o no armário com muito cuidado, após envolvê-lo numa toalha de flanela. Pegou um jornal recente que encontrara sobre a mesa, deitou-se na cama e começou a ler sobre uma matéria especial que mencionava o transporte da pedra lápis lazúli, de Lima, Peru, a Iucatã, México. A notícia, contudo, que o chocou foi de que a pedra fora transportada de modo inexplicável: rajadas de ventos! Meu avô desmaiou com a notícia e foi para o hospital. Toda a família estava lá, rezando pelo seu bem. Nos últimos minutos de vida, ainda conseguiu me dizer: “O escudo... Atrás...”. Suspirou pela última vez e vi seus braços penderem para os lados. Meu avô já não fazia mais parte desse mundo.
Dias depois do enterro, ainda inconformados com a triste perda, os familiares decidiram que era hora de distribuir o legado de meu avô. Lembrei-me do seu último aviso: o escudo. Procurei-o. Encontrei-o dentro do velho armário de seu antigo quarto de dormir. Já mordido pela curiosidade, imediatamente fiz uma análise do objeto e vi, atrás dele, hieróglifos Maias e pesquisei os significados. A frase dizia: “Quem ler isso ‘o escolhido’ será. Não poderá fugir ao destino: só você pode curar-nos”.
Tudo isso me deixou muito confuso e comecei a pesquisar muito e li tudo que encontrei sobre os maias por mais de dez anos de trabalho. Um dia, determinado a desvendar aquele mistério herdado de meu avô, decidi ir a Iucatã. A cidade estava deserta, pois, eventos estranhos aconteceram anos antes. Uma epidemia causada por algum vírus que nunca fora identificado, exterminou sua população. Boatos nomearam o caso como sendo a “Síndrome de Lazúli”, em referência às “pedras lazúli” que misteriosamente começaram a surgir por ali.
Já a caminho das trilhas perdidas que talvez meu avô tivesse percorrido, vi uma alta montanha e vestígios de sangue por toda parte. Chegando ao cume, no chão encontrei hieróglifos e conforme minhas pesquisas, pude interpretar como sendo o seguinte: “Honre o povo. No décimo segundo mês do ano em que a soma do par alcançar o quíntuplo do derradeiro, à meia-noite o destino se cumprirá”.
Não havia mais o que procurar por ali. Era tudo ruínas. Saí do país logo, porque diziam não poder ficar por muito tempo exposto ao ar daquela região.
Divulguei as minhas poucas descobertas à minha família. Ninguém me deu a atenção devida e acrescentaram que a herança do meu avô eram suas loucuras que agora estavam me contaminando. Indignado pelo descrédito, provei a teoria iniciada pelo meu ancestral.
No verão de 1743, as crianças queriam festejar com seus pais e até preparavam uma peça para ser exibida na escola. Com os estudos de magias Maias, tentei usar a situação como experiência. À meia-noite, a lua desapareceu como uma luz que apagava, não era um eclipse, pois o “apagão” fora instantâneo. No 26 de dezembro, o subseqüente dia ao Natal, a imensa circunferência amarela e quente não despontou no horizonte.
Permaneci no subsolo do teatro onde a peça acontecera. Estava provada a profecia cujas pesquisas foram iniciadas pelo meu avô, mas que eu concluíra de fato.
Esta história foi narrada por muito tempo ainda. Em minhas previsões, um tal de Leroux ou du Maurier estarão envolvidos. É o que veremos...

segunda-feira, 20 de junho de 2011

Pregando uma Peça

Para a peça teatral de final de ano naquela escola coisas estranhas estavam acontecendo.



 

Depois da queda de um dos holofotes no ensaio, Carlos ficou muito nervoso. Não sabia o que fazer... Apenas investigar.
Começou interrogando os suspeitos, ou seja, o elenco e alguns alunos de sua sala. Mas, não conseguiu nada que pudesse aprofundar nas histórias levantadas por seus companheiros. Então, passou a dividir em categorias: primeiro, em sua opinião não seriam fantasmas, pois, não acreditava em tal assunto; segundo, por que alguém iria querer arruinar a peça e terceiro, haveria alguém que quisesse Miguel fora do elenco para ocupar seu lugar?
No começo foi difícil pensar em alguém que não gostasse de Miguel, porque ele era, como diziam, “gente boa”. Mas, depois, Carlos começou a lembrar: será que poderia ser o Murilo, o garoto solitário, soturno e o mais reservado da classe, que sempre levava um caderninho no bolso onde fazia anotações, e que sempre tirava a melhor nota em aula de teatro – e curiosamente não fora indicado para aquela encenação?
Carlos contatou o elenco – incluindo Miguel –, ninguém estava para brincadeiras. Todos cogitaram a mesma ideia de Carlos sobre Murilo. O iluminador ficou chocado com o ocorrido no cenário; alguém poderia ter se machucado. Com a pressão do interrogatório, prometeu colaborar no que fosse possível.
Alguns dias depois, Carlos formulou um plano para a equipe:
-Iremos apresentar um ensaio público. Três dias antes avisaremos os alunos de todas as classes sobre a apresentação. E vamos ficar de olho no Murilo para ver se notamos alguma atitude suspeita. – Agiram conforme o planejado.
No dia programado, conforme a observação sobre Murilo durante aqueles dias, concluíram que ele poderia sabotar o cenário, pondo abaixo todas as instalações. Então, fingiram chegar atrasados para poder pegar o ‘sabotador’ “com a boca na botija”, um ditado popular que o Carlos adorava fazer uso.
Infelizmente, não deu tempo para evitar. Murilo já havia preparado tudo e os equipamentos e acessórios do cenário estavam mal instalados – já por sabotagem dele – e vieram ao solo. Não ficou uma só parede de madeira em pé. O palpite deles estava certo: por trás de todas as atitudes suspeitas que ocorreram aquela noite, lá estava a figura de Murilo sorrindo maquiavelicamente. Todo o elenco abordou-o de surpresa. Carlos imediatamente segurou-o pelos braços e dirigiram-se para a diretoria. Deixaram Murilo a sós com a diretora geral da escola:
-Então, Murilo, por que quis destruir tudo nessa peça?
- Quer saber a verdade?
- Adoraria. Ficção é só para os atores no teatro. – Impaciente, a diretora completou: Comece a dizer logo, vamos!
- A razão deste ato totalmente insano e desrespeitoso é que estudo nessa escola há três anos e sempre obtive as melhores notas nas aulas de teatro. Quando soube da peça deste ano, fiquei feliz por saber que as falas seriam em versos. Não sei se a senhora sabe, e não tem por que saberia, mas venho treinando isso desde muito tempo. Pensei que seria minha chance para demonstrar todo o meu empenho. Qual não foi a minha surpresa ao ser informado de que o personagem principal seria alguém que não passa de um bajulador em sala de aula; nunca conseguiu mais do que um medíocre seis nas médias em interpretação. Em minha opinião, esse desqualificado não conseguiria nunca dar o máximo que o personagem exigia; jamais seria tão bom quanto eu, que faço aulas de teatro, dança, música e versos há muitos anos. Está respondida sua pergunta?
- Vendo por esse lado, você até que tem os seus motivos. Mas, convenhamos, não precisava destruir todo o material utilizado na peça, não é mesmo? Por ora, você está liberado. Ainda iremos ver o que faremos com você.
Murilo saiu da sala com sensação vitoriosa pelo discurso que fez; mas, no fundo, ainda sentia muita culpa. Seu amor pelas artes cênicas o condenava por aquela atitude vândala quanto ao material tão bem organizado.
No próximo dia, desculpou-se com o elenco, que declararam entender seus motivos. Ajudou todos na reconstrução da peça. Carlos acabou por incluí-lo, criando um personagem de destaque para o talento de Murilo.


Na apresentação real, todos aplaudiram em pé a bela peça encenada pelos alunos da escola.
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