segunda-feira, 20 de junho de 2011

Pregando uma Peça

Para a peça teatral de final de ano naquela escola coisas estranhas estavam acontecendo.



 

Depois da queda de um dos holofotes no ensaio, Carlos ficou muito nervoso. Não sabia o que fazer... Apenas investigar.
Começou interrogando os suspeitos, ou seja, o elenco e alguns alunos de sua sala. Mas, não conseguiu nada que pudesse aprofundar nas histórias levantadas por seus companheiros. Então, passou a dividir em categorias: primeiro, em sua opinião não seriam fantasmas, pois, não acreditava em tal assunto; segundo, por que alguém iria querer arruinar a peça e terceiro, haveria alguém que quisesse Miguel fora do elenco para ocupar seu lugar?
No começo foi difícil pensar em alguém que não gostasse de Miguel, porque ele era, como diziam, “gente boa”. Mas, depois, Carlos começou a lembrar: será que poderia ser o Murilo, o garoto solitário, soturno e o mais reservado da classe, que sempre levava um caderninho no bolso onde fazia anotações, e que sempre tirava a melhor nota em aula de teatro – e curiosamente não fora indicado para aquela encenação?
Carlos contatou o elenco – incluindo Miguel –, ninguém estava para brincadeiras. Todos cogitaram a mesma ideia de Carlos sobre Murilo. O iluminador ficou chocado com o ocorrido no cenário; alguém poderia ter se machucado. Com a pressão do interrogatório, prometeu colaborar no que fosse possível.
Alguns dias depois, Carlos formulou um plano para a equipe:
-Iremos apresentar um ensaio público. Três dias antes avisaremos os alunos de todas as classes sobre a apresentação. E vamos ficar de olho no Murilo para ver se notamos alguma atitude suspeita. – Agiram conforme o planejado.
No dia programado, conforme a observação sobre Murilo durante aqueles dias, concluíram que ele poderia sabotar o cenário, pondo abaixo todas as instalações. Então, fingiram chegar atrasados para poder pegar o ‘sabotador’ “com a boca na botija”, um ditado popular que o Carlos adorava fazer uso.
Infelizmente, não deu tempo para evitar. Murilo já havia preparado tudo e os equipamentos e acessórios do cenário estavam mal instalados – já por sabotagem dele – e vieram ao solo. Não ficou uma só parede de madeira em pé. O palpite deles estava certo: por trás de todas as atitudes suspeitas que ocorreram aquela noite, lá estava a figura de Murilo sorrindo maquiavelicamente. Todo o elenco abordou-o de surpresa. Carlos imediatamente segurou-o pelos braços e dirigiram-se para a diretoria. Deixaram Murilo a sós com a diretora geral da escola:
-Então, Murilo, por que quis destruir tudo nessa peça?
- Quer saber a verdade?
- Adoraria. Ficção é só para os atores no teatro. – Impaciente, a diretora completou: Comece a dizer logo, vamos!
- A razão deste ato totalmente insano e desrespeitoso é que estudo nessa escola há três anos e sempre obtive as melhores notas nas aulas de teatro. Quando soube da peça deste ano, fiquei feliz por saber que as falas seriam em versos. Não sei se a senhora sabe, e não tem por que saberia, mas venho treinando isso desde muito tempo. Pensei que seria minha chance para demonstrar todo o meu empenho. Qual não foi a minha surpresa ao ser informado de que o personagem principal seria alguém que não passa de um bajulador em sala de aula; nunca conseguiu mais do que um medíocre seis nas médias em interpretação. Em minha opinião, esse desqualificado não conseguiria nunca dar o máximo que o personagem exigia; jamais seria tão bom quanto eu, que faço aulas de teatro, dança, música e versos há muitos anos. Está respondida sua pergunta?
- Vendo por esse lado, você até que tem os seus motivos. Mas, convenhamos, não precisava destruir todo o material utilizado na peça, não é mesmo? Por ora, você está liberado. Ainda iremos ver o que faremos com você.
Murilo saiu da sala com sensação vitoriosa pelo discurso que fez; mas, no fundo, ainda sentia muita culpa. Seu amor pelas artes cênicas o condenava por aquela atitude vândala quanto ao material tão bem organizado.
No próximo dia, desculpou-se com o elenco, que declararam entender seus motivos. Ajudou todos na reconstrução da peça. Carlos acabou por incluí-lo, criando um personagem de destaque para o talento de Murilo.


Na apresentação real, todos aplaudiram em pé a bela peça encenada pelos alunos da escola.
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