segunda-feira, 16 de maio de 2011

Uma Aventura Dolorida




Quando eu já havia subido um bom pedaço de terra, tentei jogar-me contra o galho preso à fruta. Com muito cuidado, consegui pôr minhas mãos nela. Com uma sensação vitoriosa, ouvi:

- João! Donde é qui ocê tá? O armoço tá na mesa! – Sabia muito bem que, como morava longe da cidade, justamente em zona rural, com aquele dialeto caipira, quem estava me chamando era, nada mais nada menos, que minha mãe, que sempre aparecia na hora errada.
Quando chego perto de algo que luto tanto para conseguir, lá vem ela para interromper o gostinho da minha vitória, sempre estragando tudo. (Pode apostar que eu sou bem azarado!) E por azar total, a fruta se soltou da minha mão e fiquei vendo ela sozinha de novo, lá em cima...
Igual à semana passada. Um amigo meu chamado Chico, que é meu vizinho, propôs-me um desafio: pôr as minhas quinze galinhas para dentro do galinheiro ao meio-dia. E as galinhas, nervosas com a minha intromissão, desceram-me a bicada! Fugi daquela batalha feito burro quando se perde no mato!
Tentando descer daquela montanha da fruta especial, escorreguei e meti o traseiro no chão! Fui deslizando pela encosta toda, ralando as partes glúteas. Quando alcancei o fim daquele caminho de pedras, uma farpa aloja-se em minha mão e um prego no meu pé. Perfeito! Aproximando-me de minha mãe, ela me vendo naquele estado de dar dó, perguntou-me:
- João, ocê tá machucado? – Respondi – Claro que não! Parece que eu estou bem?! Acho que nem dá para notar, né? Traz um burrico para eu voltar para casa! – Ela me traz o Godofredo; o pangaré mais lento de toda região!
Voltando para casa, fui logo ao tanque de lavar roupas para limpar os machucados e o sangue coagulado da pele. Nesse exato instante, meu pai chegou falando para arrebentar! Ele trouxe da cidade um tal dispositivo que  detectava bactérias nocivas pelo corpo. Como sempre impaciente, nem quis falar com um médico; já trouxe de vez uma amostra para testar. E, como não podia ser diferente, fez-me cobaia do tal aparelhinho. Claro que depois dos resultados, ele ficou bravo comigo! O exame “altamente especializado” dele diagnosticou setenta por cento de bactérias em meu corpo. Já praguejou quarenta minutos, que me renderam ainda umas palmadas e um belo “puxão de orelhas”. Como se a culpa fosse minha em ter que viver na roça. Mas, até que eu gosto de lá. Na hora de dormir, ele me trouxe ainda um composto de ervas do tempo da minha bisavó. Preferia ter apanhado um pouco mais! Aquilo embrulhou meu estômago até de manhã! Até o Setembrino, nosso porco, gritava de dor quando meu pai lhe dava aquele “treco”. Dormindo no desconforto da dor e nas mãos do frio, estava pensando naquela fruta que quase conseguira hoje: será que outra pessoa já a capturou? Será que já comeu?! Será que pode ter sido o Chico? Fiquei impaciente. Saí de casa devagar, ainda estava escuro e logo na porta de entrada da cozinha, pisei numa coisa redonda, que me levou de costas para o chão novamente. Hoje é meu dia, mesmo! Ora, era a fruta do galho de hoje cedo. Fiquei pensando: acho que a maneira que me joguei contra o galho foi muito brusca então o galho, fraco que era, deve ter se soltado e a fruta desceu rolando junto comigo, sem que eu visse. De alguma forma, deve ter entrado pela minha calça e nem percebi. Ao chegar em casa, com as dores do corpo todo escoriado pelo “tobogã” improvisado, ela deve ter caído no chão de casa e não notei nada.
- Óia que belezura! Peguei a fruta para dar uma dentada caprichada e, ao tirá-la do chão, observei uma “bela” mordida no meu “troféu”! Levantei os olhos e, então, vi o Novembrino, o porco do Chico deitado do lado de fora, feliz da vida por haver estragado minha aventura.


segunda-feira, 9 de maio de 2011

A Guerra Elementar



Foi aí que o Vento, combinando com os demais súditos do Sol, arquitetou um plano diabólico para destruir para sempre o Astro-Rei. Chamou o Raio e a Chuva e começaram uma guerra sem fim. Era o Sol aparecer que lá vinham eles com seu forte armamento, despejando temporais por toda parte até atingir o próprio Sol.
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Por milênios, era o Sol quem dominava tudo, era o senhor absoluto. O povo e toda a vida na Terra estavam contentes com a sua luz e o seu calor, que ajudava nas plantações de onde tiravam os seus sustentos. É verdade que a Chuva também era necessária; mas, só em pequenas doses, para matar a sede das plantas e encher os rios com água boa.
Certa vez, o Vento percebeu que o povo da Terra fazia muitas oferendas para o Sol, em agradecimento pela fonte de vida que ele lhes proporcionava. Ele saiu voando para contar aos outros amigos o que via com freqüência e também para comentar que nunca tinha visto a mesma homenagem para eles, nunca ninguém havia oferecido algo pela Chuva, Vento ou Raio.
Com inveja nos olhos, eles correram até o Sol e exigiram que também tivessem o mesmo respeito. O Sol, sempre muito justo, sugeriu fazer uma consulta ao povo. Mas, os elementos tinham imposto uma condição: eles queriam aparecer mais, ou seja, chover mais, ventar mais e mais raios de trovão queriam cantar pelo céu da Terra.
O povo não gostou da ideia de sofrer mais tempestades, achava que o que existia já estava bom. Então recusaram a proposta. O Sol informou aos elementos a resposta dada. Porém, eles não gostaram nada. Então, começaram a se rebelar e se uniram para fazer tempestades todos os dias, da primeira hora da manhã até a última da tarde. Só paravam com a noite. Dessa forma, com a ajuda das nuvens de Chuvas, encobriram e esgotaram todas as energias do Sol até que, completamente esgotado, ele tornou-se presa fácil e foi jogado numa masmorra, onde era vigiado vinte e quatro horas por dia, as grades eram feitas das filhas do Raio e do teto gotejavam as primas da Chuva sem parar. Seu fogo já não ardia como antes e restava dele apenas uma bola avermelhada do núcleo.
O povo e todas as espécies viventes na Terra suplicavam para que os elementos deixassem o Sol voltar a brilhar no céu, já estavam ficando sem comida, as plantas morrendo afogadas por tanta água que vinha de cima, as casas eram destruidas pelos Raios, só se ouvia o barulho do trovão por toda parte do mundo.
Com tanta Chuva, as nuvens começaram a ficar sem água. Eles tinham esquecido de que a base de toda a tempestade é a Chuva e ela é que vem acompanhada de Raio e Vento. Se a Chuva acaba, não existem mais os Raios nem os Ventos. Então, pelo mundo, o que se via é que as tempestades foram diminuindo, diminuindo, até ficar apenas uns chuviscos e garoas aqui e ali. Os Raios não tinham mais força para gritar pelo mundo e os Ventos não passavam de pequenas brisas frescas pela manhã.
Diante dessa situação, os elementos perceberam que ficavam cada vez mais fracos e que o fim deles estava próximo. A Chuva não aguentando mais, sem água nem para as lágrimas, lamentou-se profundamente chamando a todos os demais e relatando o caso. Ou a água que havia lançado na Terra tornasse a formar novas nuvens ou iriam todos desaparecer para sempre.
Eles pensaram em fazer algo para atrair a água dos rios, lagos e oceanos de volta para o céu, mas, sem sucesso. Porque seria impossível ao Raio ou ao Vento levar uma quantidade muito grande para as nuvens quase secas. Foi aí que perceberam a grande verdade da vida: o Sol não era apenas o Astro-Rei à toa, era responsável por fazer toda a natureza funcionar corretamente, colocando cada coisa em seu lugar, recebendo água e enviando em forma de Chuva quando necessário.
Depois de muito pensar colocaram em votação e ficou claro, por três votos a zero, de que o Sol precisava retornar urgentemente para garantir a sobrevivência de todos, dos elementos e do povo. Porque sem o povo e de toda a vida na Terra para usufruir dos efeitos dos tempos da natureza e do clima, não haveria necessidade deles e daí é que não serviriam para nada mesmo.
Num ato solene, com muito respeito e consideração, foram os três para as masmorras e ordenaram que o Sol fosse libertado. Os Raios das grades que tomavam conta do lugar desapareceram e a saída ficou livre. O Sol, vendo que todos ali se desculpavam pelo grande erro cometido, perdoou-os todos e voltou a ser o grande Astro-Rei levando vida e alegria a todos os cantos da Terra.
Tudo voltou a ter cor e perfume, as plantas voltaram a crescer e a dar frutos, os homens e os bichos puderam de novo receber da natureza os bons alimentos que sempre os sustentaram. E o povo da Terra percebeu também a importância que há em cada elemento da natureza e como precisam de todos, de forma equilibrada, e passou a homenagear cada elemento num dia diferente pelo ano, criando o dia da Chuva, do Vento e do Raio.
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segunda-feira, 2 de maio de 2011

Ah! Superstições...





Ah! Esse grande mundo... Cheio de superstições para enganar os tolos. Como aquela velha história do gato preto, dizem que na “idade média os gatos eram bruxas transformadas em animais; por isso a tradição diz que cruzar com gato preto é azar na certa”. E tem a lenda da escada, “nunca devemos passar por debaixo de uma escada porque atrai má sorte”.
Outro dia, um amigo meu, o Jerry, contou-me histórias sobre uma certa caverna muito estranha, que ficava lá na praia, depois daquele braço de mar, onde começa a floresta. Mas, será que dava para acreditar em alguém que não era muito conhecido por dizer verdades, tanto que já o tinham apelidado como “Balelão”?  E não tinha um só dia que ele não me contava a mesma “lorota dos fantasmas” da tal caverna. Chamei-o para uma conversa:
- Olha, eu até vou contigo nessa tal caverna que você fala; mas, o que eu ganho se não houver fantasma nenhum lá dentro?
A princípio ele me olhou com ar de desentendido. “Como assim? Ganhar?”. Claro, porque eu não iria me meter lá no escuro da noite sem levar um ‘cobres’ no bolso.
- Tudo bem. – Respondeu depois de um tempo. - Se você ficar lá dentro a noite inteira e não aparecer nenhum espírito fantasiado com lençol eu te pago... Vamos ver... Umas vinte “pratas”. Topas?
- Fechado.
Pensei comigo: “Vai ser moleza! Vinte ‘contos’ no bolso”.
No dia seguinte, já bem cedo, nos encontramos no quiosque da praia. Seu José, o dono do pequeno comércio, nem havia chegado ainda. O “da lorota” veio logo dizendo que a gente precisaria de uma barraca ‘das boas’, porque poderíamos ser atacados por algum bicho feroz na madrugada adentro. Lá fomos nós até uma loja de artigos esportivos para comprar uma. Mas, o menino não era nada bobo, disse que não tinha todo o dinheiro e se a barraca não ficaria por minha conta. Lá se foram preciosos cento e setenta reais.
Naquela tarde mesmo, nós arrumamos tudo e partimos às cinco horas. Minha casa ficava do lado oposto, tínhamos que atravessar toda a praia, passar pelas pedras gigantes do fim da orla, atravessar o pequeno braço de mar que entrava pelo continente; depois, seguir por um caminho entre árvores, já no começo da floresta, um lugar que pouca gente ia. Só mesmo aquele pessoal do turismo ecológico é que costumava passar por ali. Ali tinha uma cerca de arame farpado, que eu nunca soube por que existia, se não fechava nada e nem protegia coisa nenhuma. Descemos por uma trilha escorregadia e cheia de pedras molhadas até que no fim dela avistamos a entrada da caverna.
Confesso que quando a gente falava sobre a caverna, lá na praia ainda, minhas pernas não tremiam tanto. Mas, eu não queria demonstrar medo. Falei com o Balelão. Chamei-o. Perguntei se não iríamos entrar logo. E ele nada. Não dizia palavra nenhuma. Olhei para o rosto dele e estava mais branco do que o uniforme de médico do meu tio. Procurei acalmá-lo. Afinal, não poderia ser tão ruim assim... ou seria? Ai, meu Deus!
Coletamos um material para fazer fogueira dentro da caverna. Ela era muito grande, daria para morar uma família inteira ali e sobrava espaço. Ajeitamos tudo num lugar lá dentro, que julgamos adequado. Fizemos uma fogueira pequena. Com a luz dela, conseguimos montar a barraca. Comemos o lanche que havíamos trazido pronto e fomos direto para dentro da barraca. Jogamos os colchonetes pelo chão e os sacos de dormir por cima deles. Ficamos sentados ali por horas, conversando e tentando espantar o medo.
Lá pelas dez da noite, ouvi um ruído muito estranho, parecia um gemido. Na verdade, eram dois. Dois gemidos! Perguntei para o meu amigo se ele havia escutado também. Ora, ora, um dos gemidos vinha dele. E o outro? O que seria? Fantasmas? A lenda era real? Meu amigo completamente branco de novo. Não falava, não piscava, não mexia um músculo. Tentei movê-lo e então empurrei-o para o lado e o barulho sumiu. Então, ajoelhei sobre onde ele estava sentado para ver se estava tudo bem e percebi que debaixo do colchonete havia alguns pedaços de madeira. Quando eu os pressionava, o barulho surgia. Era só isso! Meu amigo voltou do seu “mundo maluco” e tratamos logo de ir dormir.
As horas passando e nada do sono chegar. Por volta de duas da madrugada outro barulho. Agora era o fantasma! Vinha do lado de fora da barraca. E quem vai lá fora ver? Eu que não! Vimos uma sombra tomar conta de toda a lona da barraca pelo lado de fora. Vinha cobrindo tudo. Agora estamos “fritos”, pensei. Ufa! Passou. Era só uma coruja que ficou entre a barraca e a luz da lua que entrava pela abertura da caverna. Ao se afastar, suas asas pareceram gigantes. Pelo jeito era só medo à toa. Não tinha fantasma, nem nada por ali. Dormimos.
O dia amanheceu e fantasma nenhum apareceu. Acordamos com as costas doendo por uma noite muito mal dormida. Pegamos nossas coisas, desmontamos a barraca e voltamos para casa. O Balelão tinha um sorriso de culpa e envergonhado por desvendar seu conto da “carochinha” e pelo pavor que vivemos naquela noite. De cabeça baixa, entregou-me o dinheiro da aposta. Ganhei vinte “pratas” e gastei cento e setenta. Grande lucro! Enfiei as duas notas de dez no bolso. Partimos. Ah! Superstições...
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